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Garantismo constitucional empírico

O artigo 5º da Constituição Federal, que diz todos são iguais perante a lei

Wagner Dias Ferreira
Publicado em 21/03/2015 às 21:07Atualizado em 17/12/2022 às 00:55
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O artigo 5º da Constituição Federal, que diz “todos são iguais perante a lei”, abre com um texto amplo e consolida conquistas históricas da evolução da humanidade e da sociedade. Importante a distinção destes termos, porque humanidade consegue encampar os segmentos humanos que mesmo estando agrupados em locais de refugiados, bolsões de pobreza, ambientes de conflito armado, onde a noção de sociedade como agrupamento que visa garantir a sobrevivência e até mesmo a existência humana, não cumprem esta função primária, e não permitem a estes seres humanos usufruírem as conquistas da sociedade moderna.

No livro/filme O caçador de pipas, um homem enfrenta agruras para resgatar o irmão no Afeganistão e lá naquela “sociedade” o encontra sofrendo violações humanas graves. O ambiente de conflito armado afasta as conquistas históricas da evolução humana de prioridade absoluta e plena proteção à infância e permite o abuso. Este recrudescimento geral do comportamento humano afeta também o Brasil na experiência de processos judiciais que crescem no sentido de interpretar restritivamente os direitos e garantias constitucionais.

Toda lei se propõe a ser um dever geral e permanente, onde sua interpretação, atenta à dinâmica de mudanças da realidade, da humanidade e da sociedade, deve ampliar seu alcance, no caso das normas constitucionais, de modo garantista. Assim o que se espera do Poder Judiciário é que suas decisões tragam esta ampliação interpretativa, garantindo a aplicação da CF em todas as esferas da existência humana dentro do país.

Com o recente pedido de investigação contra políticos apontados na operação “Lava Jato”, todos foram unânimes em condenar o fato de não terem antecipado o seu direito de defesa, e proclamar que irão no curso da investigação apresentar suas defesas e assim provar suas inocências. No entanto, não é isso que se vê nas investigações voltadas contra pessoas pobres e desfavorecidas. Via de regra não existe a presença de nenhuma defesa nas investigações criminais. No máximo se dá vista do inquérito a advogados particulares, contratados e pagos. Que não raras vezes somente têm acesso aos procedimentos mediante ordem judicial emitida muitas vezes por meio de mandado de segurança ou habeas corpus.

Se a pessoa é pobre e precisa de assistência da Defensoria Pública, não lhe é garantido o advogado nas investigações. E o texto constitucional diz “contraditório, ampla defesa com todos os meios a ela inerentes”. Todos os meios quer dizer inclusive os meios técnicos da presença do advogado. Se um investigado pedir um defensor público na delegacia, porque é pobre, será alvo de chacota policial desatenta ao texto constitucional. Porém, a prova de que esta é uma interpretação que deve crescer e incorporar-se ao cotidiano dos inquéritos policiais é a uníssona declaração daqueles apontados na “Lava Jato” de que irão se defender na investigação.

Por isso o Estado deve agir e garantir a presença dos defensores públicos nas investigações policiais para continuar a dar vida à CF, expandindo suas garantias e fazendo preservar no país o humanismo e a percepção de uma sociedade como mecanismo de preservação e garantia da existência humana. Ressalte-se que este é apenas um viés do garantismo constitucional, que a experiência profissional do advogado conduz a uma percepção empírica do fenômeno e assim ao recorte do tema abordado.

(*) Advogado e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG

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