ARTICULISTAS

Decadência do líder: artificialidades políticas

Pensamos os líderes na plenitude potencial de ser e, nos esquecemos de abrir espaço

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 11/02/2015 às 19:50Atualizado em 17/12/2022 às 01:29
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Pensamos os líderes na plenitude potencial de ser e, nos esquecemos de abrir espaço para as doenças físicas, para a deterioração mental, para o fim da sua capacidade produtiva. O texto de Vallejo-Nagera (Considerações sobre o poder político e psicopatologia) - inova ao publicar o relato do psiquiatra espanhol Dr. José Germain, então residente na Clínica do Professor Alajuanine, em Paris/França que, “estando de plantão, trouxeram um homem que passeava nu, durante a noite, pelas ruas de Paris, com sinais de obnubilação, motivo pelo qual, felizmente, em lugar de levá-lo à delegacia trouxeram-no à clínica. Ao se desanuviar o paciente, comprovou-se com assustado assombro que era o presidente dos Estados Unidos. Pode-se esconder o incidente e Woodrow Wilson prosseguiu sua carreira política, tendo recuperado, na aparência, a integridade do seu psiquismo.”

Posteriormente percebia-se, em seus discursos, a perda doentia do contato com a realidade, confundida então com seus desejos, em plena campanha para o Tratado de Versalhes de 1919, após os conflitos armados da Primeira Guerra Mundial. Seu último discurso em 25 de setembro do mesmo ano é um “alarde de distorção patológica da situação”. Nessa mesma noite, teve um colapso no trem presidencial e três dias mais tarde, já na Casa Branca, ocorreu o acidente vascular que o deixou hemiplégico e incapacitado, embora continuasse como presidente dos Estados Unidos até 4 de março de 1921. Durante este tempo de impossibilidade para o exercício das atividades na situação de líder de um país que negociava a paz na Europa, sua esposa servia de intermediária e filtro dos assuntos que deveriam chegar ao seu conhecimento e opinião, mesmo que não estivesse em condições de um julgamento inteligente sobre eles!

Woodrow Wilson deixava naqueles com quem convivia impressões precisas e inquietantes a ponto de expressarem: “Acho que jamais conheci um homem cuja aparência geral mudasse tanto, de hora para hora. Não é apenas seu rosto que sofre mudanças. Trata-se de uma das personalidades mais difíceis e complexas que já encontrei. É uma pessoa tão contraditória que fica difícil firmar um julgamento sobre ele.” (Cel Edward House)

Não foi só Woodrow Wilson o único a apresentar distúrbios mentais durante o exercício de altas funções de poder. Podemos citar vários deles: Krushchev, Mao, De Gaulle, Franco, Tito, Hitler, Mussolini, Roosevelt e Churchill – todos inevitavelmente demonstraram menos faculdades que eles mesmos, dez anos antes de terminar o seu mandato sendo, no entanto, mantidos no poder mesmo assim. Nestes líderes – seres excepcionais que mobilizam multidões – há às vezes traços anormais de personalidade, que se desenvolvem patologicamente pela própria dinâmica da paixão de mandar. A destruição exemplar de valores morais também se apresenta comumente como temos visto neste Brasil atual.

(*) Psicóloga e psicanalista

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