Infelizmente, mais um despertar. Para João Francisco, continuar enclausurado em seus sonhos seria mais aconchegado. Deitado em seu acanhado cômodo destinado a ser seu aposento, sobre a cama estreita, apoiada em um dos lados por dois tijolos, permaneceu, por alguns minutos, imóvel. Os pés não queriam sentir a textura gelada do piso bruto e inacabado. Os olhos e narinas irritados pelo forte odor do ambiente úmido, contaminado pelo mofo. Ao lado, no mesmo cômodo, observava os filhos pequenos, encolhidos e amontoados no colchonete raleado sobre o chão. Só voltaria a vê-los ao anoitecer, ansiosos por uma comida farta, que o pai nunca conseguira trazer.
Parecia nem ter dormido. O cansaço de ontem ainda degradava suas energias. Mas João tinha que levantar. Cuidadosamente, pois ao seu lado, no cantinho que lhe sobrara, sua companheira, grávida do quarto filho, ansiava na profundeza do seu sono, uma luz de esperança para seus meninos. O dia é de labuta e João precisava viver a dura realidade da escassez. Como alimentar dignamente sua família? O salário que recebera pouco durava. O aluguel do barraco e as contas acumuladas dissolviam, em poucos dias, a féria do mês inteiro.
Mas cada dia era um dia e João Francisco nunca se deixou esmorecer. Nos momentos de maior dificuldade, situação em que muitos mergulhariam na desesperança, João acalentava sua esposa com palavras de crença e coragem: “Fique tranquila, minha branquinha, nossa hora vai chegar. Deus nunca vai nos desamparar”. Homem honesto e trabalhador, tentava suavizar seu espírito, se agarrando na fé, em busca de uma sentença mais branda, mesmo não sabendo de onde poderia vir a glória.
E para aquele dia, fadado a ser como todos os outros, haveria um novo desfecho. No meio do expediente, na pequena empresa que trabalhava, um chamado. O patrão queria vê-lo imediatamente em sua sala. O arrepio subiu à coluna. E agora? O que teria feito de errado? Funcionário antigo e exemplar que era, não poderia perder esse emprego! De frente à mesa do patrão, a boa-nova: o atual gerente havia pedido demissão, pois estava de mudança, e João Francisco, pela sua experiência, iria ocupar seu lugar. Começaria ali sua redenção. Teria agora um salário melhor e uma vida menos afogada. A fé, que nunca abandonara, trouxe a placidez. Naquele dia, João voltou mais cedo pra casa. Com os olhos marejando, trazia duas sacolas nas mãos. Nelas conseguira levar o tão sonhado jantar: frango assado, farofa e um arroz branquinho, regado por um apetitoso refrigerante bem gelado.
(*) Professor e Pesquisador da Universidade de Uberaba; chefe de Gabinete da Prefeitura de Uberaba