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O soro da verdade

Como sonhar não paga imposto, permito-me. O conto O sonho de um homem ridículo

Márcia Moreno Campos
Publicado em 30/11/2014 às 13:30Atualizado em 17/12/2022 às 02:28
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Como sonhar não paga imposto, permito-me. O conto “O sonho de um homem ridículo”, de Fiódor Dostoiévski, de 1877, narra a história de um homem que ao adormecer sonha que cometeu suicídio e que, após sua morte, é levado para um mundo que a princípio ele não reconhece como seu. Nesse mundo todos os habitantes são felizes. Felizes como pessoas sem pecado. O protagonista vive nesse estado por alguns anos impressionado com a bondade que o rodeia e o contagia. Um dia, porém, esse suicida começa a ensinar aos outros ao seu redor a mentira, que por si desencadeia a cobiça, a inveja, o orgulho a um ponto tal que todos os moradores desse utópico mundo se tornam incapazes de se lembrar de sua felicidade anterior.

Ao ler esse conto há alguns anos, senti uma paz imensa, vislumbrei uma descoberta mágica e simples. A de que se todos os homens fossem bons, a vida na Terra seria de absoluta paz e perfeição. Os sofrimentos inevitáveis como doença, velhice, morte seriam superados com amor, cooperação, sentimento do bem.

Então, à la Dostoiévski, sonhei o meu mundo. Sonhei com o nosso Brasil contaminado com o soro da verdade. Esse soro estaria nas nossas águas, comidas e até no ar. Ninguém dele escaparia. E todos nós, sem exceção, só diríamos a verdade. Imaginei-me perguntando aos mandatários da Nação perguntas com vocês sabiam de todos os desvios e esquemas de corrupção que assolam o país? Vocês e/ou seus parentes se enriqueceram de forma não republicana durante seus mandatos? Vocês querem realmente o bem do povo sem pensar em seus próprios interesses? E por aí afora deixei correr solta minha imaginação. Perguntaríamos e responderíamos somente com a verdade. Dessa forma as punições seriam impostas de forma justa e inequívoca. Inocentes absolvidos, culpados sentenciados. Todos transparentes e verdadeiros, sem necessidade de máscaras e marqueteiros.

Com isso apaziguei minha consciência. Quando quero desejar mal a algum político corrupto, só desejo que um dia ele tome o soro da verdade para que possa se submeter ao seu crivo como consequência única e inexorável dos seus atos. Assim, eliminaríamos a hipocrisia de nossas vidas e juntos dormiríamos o sono dos justos.

(*) Economista

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