É cedo ainda, saio para comprar o pão da manhã, ligo o rádio, vem o sust morreu em São Paulo o doutor Adib Jatene!... O céu está encoberto, choveu à noite, a natureza e o mundo já estavam chorando esta noite. Lembro-me dele, que escondia a emoção e o sofrimento dos corações de seus pacientes, que compartilhava sem demonstrar... suas mãos mágicas trabalhavam soluções inventadas passadas depois ao mundo dos médicos. Aqui em Uberaba construiu um coração artificial na oficina do Chico Veludo – no início não conseguíamos um autêntico, que só veio ao comprovarem a competência e audácia do futuro mestre. Pude trabalhar muito com Adib, afinal ele dava aulas da nova cardiologia, e eu nas doenças vasculares periféricas, companheiros na nossa nova faculdade, nas salas de cirurgia, num mar de pacientes que eram sofredores desassistidos. Contei ali em Uberlândia, há dois meses, a homenagem ao Adib que lá ia antigamente visitar a mãe, que aquele mágico tinha um coração sensível. Tão sensível que nós íamos programados operar uma válvula mitral na vizinha Araguari, quando eu gritei Araguari, ele virou rápido o carro, capotamos por dois giros... Ninguém sofreu arranhão sequer, Adib bateu a poeira, seguimos num táxi amigo... e ele me disse, sem graça, sua culpa e timidez: João, eu visito aqui minha mãe sempre que posso, viúva santa que nos criou... e esqueci Araguari... Bem, sem um arranhão fomos operar sua paciente, um sucesso cirúrgico e de caridade – coisas da vida do meu grande amigo. Muitos sábios, médicos, políticos e governantes conheceram o valor científico, político e cultural do meu companheiro na juventude profissional. Aurice, sua mulher, e seu filho e filhas saberão sofrer a dor de sua ausência – mas entenderão que Adib não gostaria do lamento, irá preferir a dureza construtiva de sua vida. Este seu amigo, aqui de longe, está escondido, pode chorar alguma lágrima, que o Brasil vai sentir.
