ARTICULISTAS

Pedra no sapato

Sapato deve ser confortável, convenientemente escolhido e experimentado ao ser comprado

Mário Salvador
Publicado em 04/11/2014 às 19:35Atualizado em 17/12/2022 às 02:54
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Sapato deve ser confortável, convenientemente escolhido e experimentado ao ser comprado, ou representará sofrimento para os pés. Bom se for escolhido ao final do dia, quando os pés já estão mais inchados; bom também se não tiverem salto alto ou bico fino; se tiverem bom amortecimento, acabamento e ajuste perfeito; melhor ainda é o sapato que não se compra: o sapato velho, que, como canta o Roupa Nova, “basta você me calçar/ que eu aqueço o frio dos seus pés”. Contudo sapato confortável nem sempre é a garantia de que nada de ruim acontecerá aos pés. Foi bem isso que experimentei outro dia.

Eu fazia minha caminhada, quando de repente senti algo estranho me machucando um dos pés. Tive que parar e tirar o calçado para descobrir a causa do aborrecimento. Sabe-se lá como, uma pedrinha havia entrado no meu sapato. O pé, muito sensível, logo alertou para o incômodo. O fato me lembrou de outra história:

Um comprador, ao pedir um sapato um número menor que o seu, foi alertado pelo vendedor de que o calçado ficaria apertado. O comprador manteve o pedido e explicou: “Tenho tanto aborrecimento na vida, que meu único prazer será tirar os sapatos ao fim do dia.” Ninguém compraria um sapato nessas condições, é verdade, entretanto a ideia do alívio é entendida por todos. Tirar um sapato apertado é tão bom quanto tirar uma pedrinha do sapato.   

E pedra no sapato é metáfora para estorvo; algo que incomoda incessantemente; uma dificuldade que atrapalha um objetivo. Alguém que dê palpite errado ou se intrometa em assunto alheio é pedra no sapato. E essa pessoa por demais inconveniente às vezes até proclama, com prazer, que é pedra no sapato, o que não é nenhum mérito. Ninguém quer ter ao seu lado alguém que lhe seja uma pedra no sapato. Enquanto da pedra no caminho, de Drummond, se desvia; a pedra no sapato precisa ser retirada, embora nem sempre consigamos fazê-lo de imediato.

Dentre tantas acepções da palavra pedra, podemos nos identificar com ao menos uma: pedra angular, que é aquela colocada na junção de duas paredes, sendo fundamental nessa função. Para os cristãos, Jesus é a pedra angular, a pedra que vive. Já uma pedra nos rins é capaz de causar muita dor. Só quem conviveu com um cálculo renal conhece bem essa história. E encontrar a pedra filosofal, um dos principais objetivos dos alquimistas na Idade Média (que permitiria transformar qualquer metal em ouro e encontrar o Elixir da Longa Vida), é a metáfora daquilo que se busca em vão.

Governantes convivem com pedras no sapat orçamento apertado, impedindo a realização de obras; falta de chuvas e consequente esvaziamento de represas de onde é retirada a água para abastecer a cidade; ou, no extremo oposto, enchentes...

Nessa eleição presidencial, a candidata Dilma enfrentou sua pedra: partidários que preferiam o ex-presidente Lula como candidato não deixaram por menos, adotando o slogan “Volta, Lula!” E, eleita, a presidente terá montanhas de pedras à frente: crescimento diminuto e dívidas vultosas, inflação iminente, urgência de reformas...

O mundo todo precisa de gente que seja pedra angular em seu meio. Além de ajudar a todos, essa gente saberá remover pedras que vão surgindo nos sapatos de toda a humanidade.

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