Falando das crianças de hoje, com o que é necessário se preocupar?
Falando das crianças de hoje, com o que é necessário se preocupar?
Se há algo com que se preocupar é com o fato de que, se antes, o ser humano sofria por não saber o que fazer do seu desejo, hoje, a juventude sofre por não saber o que deseja. Esse excesso de saber coisas, de possuir objetos e consumir tem tirado o lugar da infância, da mesma forma como tem vestido as crianças de modo adulto, novamente.
Viver é relacionar-se.
O social é linguagem.
Há várias formas de se tolher esse laço social. Na civilização contemporânea de acesso ao gozo e intolerância ao outro, as crianças são tolhidas com medicamentos, os quais impõem silêncio, trancafiando-as em si mesmas.
A civilização ou entrada na cultura se dá na família.
O lugar da criança como agente de sua história é o que dá corpo para sua existência no mundo.
A ausência de reconhecimento e lugar na família e no social enquanto status de criança causa tristeza, desolação e ceticismo aos pequenos.
Tolher a expressão da criança é violar o seu direito. Privar as crianças do mundo da tecnologia é privá-las de sua era, e privá-las da fala e de brincar com suas criações, é privá-las de criar e construir-se.
Na perspectiva medicamentosa, o fenômeno da medicalização destitui o sujeito de sua condição de partícipe.
Os números de medicamentos já assustadores devido às suas trágicas aplicações ampliam-se nas férias escolares, o que reforça a tendência da utilização da ‘droga da obediência’.
“Recentemente, o Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC) da Anvisa indicou que o consumo anual de metilfenidato industrializado no Brasil entre 2009 e 2011 mais que dobrou no período, saltando de 557.588 caixas para 1,2 milhão, sendo os indivíduos entre 6 e 16 anos principais consumidores. Nesta faixa etária, o aumento do uso foi de 74%, contra 27,4% no grupo entre 6 e 59 anos.”
O uso exagerado da tecnologia é marcante, pois o abuso está presente nos tempos modernos.
A substituição dos laços sociais pelos laços virtuais é que preocupa, pois torna precária a relação entre as crianças e o mundo a sua volta.
É necessário educar a criança e ouvi-la e não atordoá-la à química com riscos para a vida. Nas palavras escapam essências humanas que medicamento nenhum será capaz de colocá-las em cápsulas. Nas palavras há amor, vínculos, ódios, histórias, remendos...
É necessário se questionar e fazer políticas em prol da infância e seus dizeres. As crianças elegem as palavras.
(*) Psicóloga Clinica