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Intenção de Morrer

Nos homicídios de trânsito, geralmente culposos, sem intenção de matar, a sanção penal

Ricardo Cavalcante Motta
Publicado em 18/10/2014 às 22:11Atualizado em 17/12/2022 às 03:10
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Nos homicídios de trânsito, geralmente culposos, sem intenção de matar, a sanção penal, a meu sentir, é muito branda.  A justificativa, a rigor, apoia-se na alegação de que o agente não tem a intenção de matar. Em face dessa análise da condição do agente não ter vinculada a sua intenção ao resultado morte, surgem os argumentos para que a pena seja branda ínfima, a meu ver. Muitas vezes, ridícula, especialmente quando o resultado atinge com a morte muitas pessoas. Todavia, embora a família do agente se concentre na tentativa de livrar o autor, o  motorista, a família da vítima terá que se concentrar na dor da perda de seu ente. Friamente a lei se esquece do desespero da tristeza da morte inesperada que atinge famílias que ficam em pranto em volta daquela fúnebre caixa cheia de flores... "Queremos Justiça"!

Depois vem a consequência da morte. Filhos órfãos, mães e pais frustrados pelo resto da vida, amores partidos pela perda do par amado. Traumas psicológicos muitas vezes insuperáveis pela violência da perda surpreendente. Dizem os que defendem a leveza das penas que a intenção é recuperar o agente infrator, e que cadeia não é capaz disso. Que, na verdade, a penitenciária seria uma escola do crime, que a pena não visa vingar.

Não se pode, em caso tão grave, cujas estatísticas mostram um mal social extremo, avaliar a questão unicamente pela ótica de um lado, esquecendo-se das vítimas irremediavelmente condenadas à prisão eterna no túmulo.

A pena deve servir de inibidor do crime, de educador social. Não pode ultrapassar a medida do razoável. Mas matar por imperícia, imprudência ou negligência, muitas vezes sob o efeito do álcool, e não ficar sequer um único dia de castigo, nem para pensar no ato, é indiferença legal absurda, vez que, em grande parte das ocasiões não se consegue sequer reparar materialmente o dano.

Deparo-me, constantemente, com situações assim. Pessoas inocentes no lazer saudável, colhidas abruptamente por motoristas em

extrema irresponsabilidade. E a pena. AH! A pena  na verdade, dá praticamente em nada, considerando o grave e fatal resultado.  

Não se pode continuar assim. Há que se considerar a dor, o amor que se foi, a tristeza da perda, junto à vontade da recuperação do que fica. Compaixão, apreciada por ambos os lados. Prevenção, em benefício de todos os lados. Amor, ainda que com alguma sanção. Até permitindo aliviar do remorso. Até provocando o perdão.

Que seja uma pena, ainda que branda, mas com efeito pertinente. Uma sanção verdadeira, para efeitos eficazes. Que toda a sociedade, do lado do autor do crime e do lado das vítimas, possa ter a sensação de que houve alguma consideração objetiva do efeito morte decorrente do ato. Afinal, são milhares e milhares de veículos em circulação. Não estamos a considerar situações esporádicas.

Então, que em homicídio culposo por acidente de trânsito o agente fique no mínimo um ano detido, em regime fechado. Menciono como sugestão, um ano de prisão, mas preso de verdade. E o restante da pena, como ocorre hoje, pode ser alternativa, como prestação de serviços à comunidade, se for o caso. Apenas um ano para reeducar o agente e todos os que sentirem de perto o efeito desse ônus, também, toda a sociedade. É  prevenção, inclusive. É estimular a responsabilidade. É sugerir um radar dentro de cada um. Um etilômetro próprio.

O que não se pode é  continuar como o está. Uma indiferença absurda. A sociedade iria se sentir melhor, imagino.

Ocorre hoje que consideram que o agente não tinha a intenção de matar. Mas não perguntaram à vítima se tinha a intenção de morrer.

Tenho dito.

(*) Juiz de Direito

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