ARTICULISTAS

Democracia – lugar privilegiado do outro

Nas histórias sadianas, as relações são reguladas pelo exercício de um poder aniquilador

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 15/10/2014 às 20:21Atualizado em 17/12/2022 às 03:13
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Nas histórias sadianas, as relações são reguladas pelo exercício de um poder aniquilador sobre o outro. Não é tanto a crueldade que qualifica o sadismo, mas sim a instauração da arbitrariedade que administra àquele que a exerce e que dela faz um uso desmesurado a verdadeira prova de sua onipotência: o que realmente aparece é a questão do poder. Em outras palavras, o estranho e violento contraponto que o exercício do sadismo revela entre o ataque pulsional extremo e a afirmação radical de onipotência narcísica constitui um dos eixos centrais, mostrando que na experiência sádica o sofrimento extremo é estar à mercê da arbitrariedade permanente do carrasco, o que fundamenta a crença na necessidade de circulação de papéis entre os oponentes e opositores do poder. Assumir o lugar do poderoso é disruptivo e leva a bizarrices extremas.

No delirante discurso hitlerista cujo conteúdo nos surpreende encontramos as seguintes máximas: “O judeu é sujo, poluidor, é o senhor da prostituição e o agente da sífilis, trazendo consigo as doenças infecciosas, ele deve ser assimilado a um bacilo”. Uma mulher alemã, ao ter relações sexuais com um judeu, mesmo que seja uma única vez, terá seu sangue contaminado definitivamente e em seguida terá filhos com características judaicas mesmo que nascidos de relações posteriores com cristãos. Assim, o judeu, na visão hitleriana, é tido como uma figura diabólica, que deixa uma marca indestrutível em tudo que toca – um rei Midas às avessas. Em contrapartida, o Fuhrer é o único ser certo de sua pureza e então a juventude deve descender diretamente dele.

O nazismo foi antes de tudo uma religião – a percepção de um poder superior, a submissão a este poder e o estabelecimento de relações com ele. Uma religião, ou um mito torna-se elemento necessário para conduzir um povo a uma grande aventura. Hitler introduziu o princípio da natureza e da raça para combater outra raça que se refere ao intelecto e ao universal. Sua destruição torna-se indispensável para que o cristianismo revisto e corrigido dos seus aspectos mais irracionais, enfim, triunfe. Se ele pode convencer numerosos cristãos, foi porque seu discurso alimentava certos temas católicos, não para fazê-los o motor do domínio do mundo pelo conjunto dos homens, mas possibilitando a dominação total dos homens por um pequeno número de indivíduos.

O discurso hitlerista é o do impossível e da onipotência, feito para entrar diretamente em ressonância com o inconsciente dos ouvintes. Pelo discurso do impossível, todos são heróis, mesmo que alguns possuam mais carisma que os outros. Também é a criança que reina, pois é a única que pode ser totalmente regenerada e marcada pelo nome do pai supremo – o Fuhrer; estranhas coincidências com os discursos atuais!

(*) Psicóloga e psicanalista

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