CIDADE

Entrevista: Entrada do coronavírus no Brasil oferece risco de epidemia

O novo coronavírus faz parte de uma ampla família de vírus, descrita com esse nome a partir de 1960

Thassiana Macedo
Publicado em 01/02/2020 às 12:56Atualizado em 18/12/2022 às 03:55
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Foto/Jairo Chagas

O Ministério da Saúde tem realizado monitoramento diário da disseminação do coronavírus junto à Organização Mundial da Saúde (OMS), que acompanha o assunto desde as primeiras notificações na China. Mais de 170 pessoas morreram em decorrência do coronavírus, segundo dados oficiais divulgados até o momento, e o número de casos confirmados subiu para 7,8 mil. 

O novo coronavírus faz parte de uma ampla família de vírus, descrita com esse nome a partir de 1960, que pode causar desde um resfriado comum até problemas respiratórios que levam à morte, como ocorreu no primeiro surto registrado no início dos anos 2000. O vírus 2019-nCoV, como é denominado cientificamente, foi descoberto em 31 de dezembro de 2019, quando apareceram os primeiros casos na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China. O novo surto tem causado preocupação, pois é alvo de várias dúvidas, mas ainda não é motivo de alarde, pelo menos no Brasil.

Para falar sobre esse assunto, que tem causado apreensão em pessoas do mundo todo, o Jornal da Manhã traz entrevista com a infectologista Danielle Borges Maciel. Confira! 

Jornal da Manhã – O número de mortos na China, em virtude da contaminação pelo coronavírus, chegou a 170 e já há casos suspeitos sendo investigados no Brasil, inclusive em Minas Gerais. O que vem a ser o coronavírus?

Danielle Borges Maciel – Trata-se de um vírus de transmissão respiratória e, para entendermos de forma mais clara, ele seria semelhante ao vírus Influenza que temos aqui e circula durante o ano todo. O quadro [clínico dos infectados] pode variar desde assintomáticos (sem sintomas), oligossintomáticos, passando por um resfriado comum, até os casos graves, com uma síndrome respiratória aguda. Esses últimos são casos que precisam de suporte hospitalar intensivo. 

JM – Ele se manifesta como uma gripe que vai se agravando?

Danielle Borges – Sim, como uma gripe que pode ter diferentes estágios. 

JM – Esse surto é semelhante ao que ocorreu com a gripe suína ou H1N1, por exemplo?

Danielle Borges – Sim, seria semelhante a isso, mas o coronavírus parece ter uma taxa de incidência maior para casos graves. 

JM – A senhora acredita que esse vírus pode se disseminar no Brasil?

Danielle Borges – A princípio, não. Até o momento não temos nenhum caso confirmado no país. Houve o alarde de vários casos, sendo mais de sete mil eventos suspeitos, mas nem um foi confirmado. Só são considerados confirmados aqueles casos em que for feito o isolamento do vírus através de secreção traqueal. Já houve, em outro momento, por volta de 2002 e 2003, um surto desse lá na China, e eles conseguiram contê-lo. Teve alguns casos aleatórios, espalhados pelo mundo, mas foi possível a contenção. Esperamos que consigam conter dessa vez e isso não chegue até aqui. 

JM – Ou seja, está muito longe de termos um pânico... É algo bem mais tranquilo para lidar?

Danielle Borges – Até o momento, para nós, sim, parece ainda não haver risco de disseminação no país. Agora, caso aconteça a disseminação, aí, sim, precisaremos da cooperação de toda a população para poder conter o surto, porque pode haver casos graves e podemos ter até mesmo uma epidemia de casos agravados. 

JM – Sobre a ida e vinda desses vírus, como é o caso do coronavírus, que já apareceu antes e agora voltou, quando há registro novamente, trata-se de um vírus mais fortalecido do que antes?

Danielle Borges – Normalmente é uma cepa diferente e foi o que ocorreu desta vez, agora é uma cepa diferente do vírus que apareceu no surto de 2002 e 2003. O coronavírus já é um vírus descrito desde 1937, mas foi a partir de 1960 que ele recebeu esse nome, porque a sua forma, vista pela microscopia, se assemelha à de uma coroa. Ou seja, já é um vírus conhecido. 

JM – Existe vacina contra ele?

Danielle Borges – Não, até o momento não. Estão tentando agora desenvolver uma vacina na Austrália – e em alguns outros lugares –, mas nós não temos vacina e também não há medicação específica para tratamento, como no caso do vírus Influenza, para o qual temos o Oseltamivir, também conhecido como Tamiflu. 

JM – Fazendo um paralelo entre outros vírus conhecidos, a tendência deve ser desenvolverem uma vacina contra o coronavírus?

Danielle Borges – Exatamente, a tendência deve ser não só desenvolverem uma vacina, mas também um medicamento antiviral efetivo. 

JM – A senhora falou que a população pode ajudar em caso de disseminação da doença no Brasil. Como a população pode participar?

Danielle Borges – A população deve estar sempre presente em ajudar em caso de disseminação dessas doenças que são de transmissão respiratória, como é o caso da gripe, que gera surtos todos os anos. Ou seja, a população pode ajudar com a higienização frequente das mãos. Quando a pessoa for tossir ou espirrar e estiver em local onde não há como higienizar as mãos, deve usar a parte interna do cotovelo ou o ombro para tapar a boca, e não fazer isso diretamente no ambiente ou nas mãos. É importante higienizar bem as mãos antes de se alimentar, bem como antes de coçar o olho, o nariz e a boca. E realizar o isolamento respiratório daquelas pessoas que estão com a doença respiratória. Diferente dos chineses, que já têm o costume de usar máscaras quando estão gripados ou resfriados, porque são uma população muito grande, aqui no Brasil não temos esse hábito. Por aqui, a pessoa sai gripada de casa, vai para todos os lugares, tosse e espirra sem cuidado. 

JM – O ideal, então, seria as pessoas gripadas sempre usarem máscaras?

Danielle Borges – Sim, deveriam usar máscaras para não transmitir os vírus ou até mesmo ficar em isolamento – domiciliar que fosse – durante o período de febre, que é o período de transmissão. Infelizmente, nós não temos esses hábitos, o que facilita a transmissão de doenças respiratórias. Caso tenhamos um surto de coronavírus aqui no Brasil, os nossos hábitos não são propícios para contê-lo. 

JM – O ato de lavar as mãos é um hábito fácil, mas as pessoas não o praticam ao longo do dia...

Danielle Borges – As pessoas devem lavar as mãos várias vezes ao dia, tanto para conter esse tipo de doença como outras também, até mesmo para o caso de infecção hospitalar. A principal forma de conter infecção hospitalar ainda é o simples ato de lavar as mãos. 

JM – O álcool gel ajuda mesmo?

Danielle Borges – Sim, por isso é bom explicar que o importante não é apenas a lavagem das mãos, mas a higienização das mesmas, porque ela pode ser feita tanto com água e sabão como com o álcool gel. Se houver resíduos, alguma secreção ou outra substância nas mãos, o indicado é mesmo a lavagem das mãos com água e sabão, caso contrário o álcool gel é tão eficaz quanto a água e o sabão, além de ser muito mais prático. 

JM – Aliás, é hábito do brasileiro, quando encontra alguém, já pegar na mão. E é justamente o contato que pode transmitir as doenças...

Danielle Borges – É verdade, nós temos o hábito de beijar, abraçar e pegar na mão. Contatos que podem transmitir doenças de forma direta, no aperto de mão com pessoa doente e, de maneira indireta, colocando a mão sobre uma mesa onde a pessoa espirrou, em corrimão ou na maçaneta da porta. Por isso a importância da higienização das mãos. Os mais antigos, ou seja, nossos avós, sempre foram muito criteriosos com isso, mas nós fomos perdendo esse cuidado. Eles nos falavam para não colocar a mão na comida antes de lavá-la ou nos impediam de coçar o olho porque estávamos com as mãos sujas da rua. E isso já era uma educação que eles tinham para conter a transmissão de doenças, pois a gama de medicações para tratamentos era muito menor. 

JM – Este ano o governo federal vai adiantar a campanha de vacinação contra a gripe. Essa vacina deve ser tomada pelas pessoas todos os anos?

Danielle Borges – Sim, a vacina deve ser aplicada todos os anos, porque ela não oferece imunidade permanente. A partir de oito a 10 meses vai caindo a proteção. Então, por enquanto, essa vacina é anual. Além disso, todo ano ela é atualizada com os vírus em circulação. E o período ideal de vacinação é antes do inverno, porque a vacina não tem efeito imediato. Por isso as pessoas dizem “me vacinei e peguei a gripe”. Isto ocorre porque a vacina vai levar, no mínimo, 15 dias para realmente imunizar a pessoa. Algumas pessoas ainda vão levar 40 dias para ficar imunes aos vírus da gripe após receber a vacina. Por isso a importância de se vacinar o mais rápido possível, principalmente quem faz parte dos grupos vulneráveis, que são os idosos, as crianças e os portadores de doenças crônicas. Haverá, inclusive, mudanças na faixa etária a ser vacinada este ano para aumentar o público-alvo. 

JM – É importante colocar que a gripe também mata, não é mesmo?

Danielle Borges – Sim, com certeza. A gripe sempre causou mortalidade, mas vimos que, depois que circulou a cepa conhecida como gripe suína ou Influenza H1N1 A, tivemos um aumento do número de óbitos. Por isso é bom lembrarmos que a vacina é muito importante para a contenção da transmissão dessa doença. 

JM – A dengue também mata mais do que as pessoas imaginam?

Danielle Borges – Sim, a dengue é uma doença que apresenta uma mortalidade significativa, é uma doença grave e não é a única arbovirose que nós temos circulando. Em todo o país temos circulando zika, chikungunya e dengue, mas a dengue ainda continua sendo a doença mais grave e por isso merece uma atenção especial de todos. 

JM – Uberaba registrou, no primeiro LIRAa de 2020, índice de infestação do mosquito da dengue de 8,9%. Isso coloca a cidade em alerta?

Danielle Borges – Sim, coloca a cidade em alerta e em risco iminente de termos uma epidemia de dengue. Diferente da gripe que tem essa transmissão direta e indireta, a transmissão da dengue depende dos cuidados e dos hábitos da sociedade. Nós temos como controlar isso, desde que algo esteja presente na consciência de todos os cidadãos uberabenses, porque está ligado ao acúmulo de lixo e à existência de um vetor, e não a uma transmissão por gotículas. A Prefeitura recolheu no ano passado mais de 80 toneladas de lixo na cidade, que estavam dentro de terrenos e casas. Então, vemos que a população não se preocupa com isso e não está empenhada no controle da doença. 

JM – A senhora acredita que é possível eliminar o mosquito ou pelo menos reduzir sua infestação com o processo de limpeza que cada um fizer em sua própria casa?

Danielle Borges – Sim, acredito que pode reduzir significativamente. Se toda a população se empenhar, nós teremos uma redução importante, como historicamente já tivemos no Brasil um período de erradicação do Aedes aegypti. Depois ele voltou ao país, tornando-se descontrolado em virtude do processo de urbanização, com a mudança das pessoas da zona rural para as cidades, e o consequente aumento de lixo. 

JM – Muito se fala que se a pessoa tem dengue pela segunda ou terceira vez, tem mais chance de contrair a dengue hemorrágica. É assim que funciona o processo?

Danielle Borges – Na verdade, quando começaram as primeiras epidemias, nas décadas de 1980 e 1990, acreditava-se que um segundo episódio poderia aumentar significativamente o risco de hemorragia, principalmente porque isso tinha acontecido em Cuba, mas depois nós fomos verificando que essa incidência não é tão alta assim. Pode ter, sim, um aumento de complicações em caso de segundo episódio, mas em uma porcentagem pequena dos casos. Já o terceiro episódio seria o mais brando. 

JM – A pessoa que contrai dengue de um determinado vírus fica imunizada contra ele. Isso significa que a pessoa que tiver dengue por quatro vezes nunca mais terá tal doença na vida?

Danielle Borges – Se ela tiver quatro dengues confirmadas, não terá mais episódios. Mas é importante lembrar da questão de que existem outros arbovírus, como zika e chikungunya, que têm quadros sintomáticos semelhantes. E o diagnóstico é difícil, porque as sorologias se cruzam. A pessoa pode estar com zika e o teste dar positivo para dengue. Então, teoricamente, há quatro vírus com imunidade permanente, caso a pessoa tenha contato com cada um deles, mas não oferece imunidade cruzada contra as demais arboviroses. O vírus tipo 2, que é o que vem circulando prevalentemente no Estado de Minas Gerais e em todo o país, mostra-se um pouco mais agressivo que os outros, trazendo mais sintomas clínicos à pessoa que o contrai. A pessoa fica mais acamada e pode haver maior risco de complicações, mas é bom lembrar que a hidratação e repouso fazem parte do tratamento básico para quem tem dengue.

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