CIDADE

É preciso escolher quem proteja a vida e não a destrua, diz arcebispo

Jornal da Manhã publica entrevista com o religioso, que avalia a situação do país e aponta o perfil ideal para o candidato

Thassiana Macedo
Publicado em 22/09/2018 às 14:12Atualizado em 17/12/2022 às 13:46
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Jairo Chagas

Dom Paulo Mendes Peixoto diz que a Igreja não indica nomes, mas propõe um perfil de candidato a ser votado pelo cristão

Nomeado em 2012 pelo papa Bento XVI para substituir dom Aloísio Roque Oppermann, então arcebispo por 16 anos da Arquidiocese de Uberaba, dom Paulo Mendes Peixoto é natural da cidade mineira de Imbé. Ordenado padre em 1979, foi consagrado bispo há cerca de 12 anos. Especialista em Direito Canônico, cursado no Instituto Superior de Direito Canônico do Rio de Janeiro, o arcebispo chegou a atuar como professor na área. Dom Paulo Peixoto é o quinto arcebispo de Uberaba. Como bispo de São José do Rio Preto e em Uberaba, dom Paulo Mendes teve atuação direta nas eleições anteriores, promovendo debates entre candidatos e orientando abertamente os católicos a não votarem em candidatos “ficha-suja”. Teria, inclusive, encabeçado movimento que coletou quase 20 mil assinaturas em favor da iniciativa popular no Congresso que resultou na Lei da Ficha Limpa. Em 2018, não poderia ser diferente. Hoje o Jornal da Manhã publica entrevista com o religioso, que avalia a situação do país e aponta o perfil ideal para o candidato que poderá fazer mais pelo bem-estar dos brasileiros. 

Jornal da Manhã – Como o senhor avalia a situação econômica e política enfrentada pelo Brasil atualmente?

Dom Paulo Mendes Peixoto – A palavra é perplexidade, diante dessa realidade que estamos vivendo. Claro que é fruto de toda uma história que vem ocorrendo há muito tempo e a grande marca dessa história é a corrupção. E há uma corrupção não só no Brasil, mas quase que generalizada em vários países, principalmente da América Latina. Porém, vejo o Brasil como um país muito capaz e com muitas possibilidades. Se entrarem governos honestos, preocupados realmente com o bem-comum, o rumo do Brasil muda de um dia para o outro. Há possibilidade para isso. O Brasil não é pobre, é um país muito rico, basta ver que nos momentos de interesse o governo consegue soltar muito dinheiro. Outra coisa que gera perplexidade é essa diferença social e esse distanciamento entre pobre e rico. Os bancos ganharem tanto é uma afronta à população. Há ainda muitas empresas que deveriam pagar a Previdência e não estão pagando. Tudo isso vai gerando uma situação que cria dificuldade para o governo que vai entrar agora, em gerir essa realidade. O Brasil nunca vai chegar a ser como a Venezuela, porque a estrutura do país é bem diferente. Mas é preciso governos mais honestos e comprometidos com o povo, sendo que o investimento na área social é realmente muito importante. 

JM – Vivemos hoje um clima de intolerância política, social e moral no Brasil. Pelas redes sociais e até mesmo nas ruas, vemos pessoas se digladiando em discussões infrutíferas intermináveis, que muitas vezes terminam em arruinar amizades, quando não chegam ao extremo do cometimento de alguma violência. Como estimular a tolerância entre os brasileiros?

Dom Paulo Mendes – O que temos colocado é a perda de valores. Certos valores que são básicos para a sociedade estão sendo jogados por terra e, toda vez que isso acontece, nós nos individualizamos demais. Até diria que as redes sociais têm facilitado isso e, no fundo, as pessoas começaram a se endeusar demais. Quanto mais isso acontece, mais as pessoas começam a explodir, e estamos em um momento de grandes explosões. É claro que, quando olhamos para exemplos como o Rio de Janeiro, nós vemos que por trás também há a questão das drogas, que têm sido grande provocadora de violências. A droga retira, inclusive, a sensibilidade das pessoas. É assim que um começa a agredir o outro, a matar por pouca coisa… E também podemos entrar na questão moral, em que há o desrespeito com o outro só porque tem outra forma de agir, aí vão contra LGBT e outras minorias… Aqui entra tudo que é diferente e, no fundo, há uma complexidade na sociedade de hoje. E como recuperar isso? Acho que à medida que o povo vai sofrendo na pele as dificuldades econômicas, começa a explodir por outros lados. Há ainda outro complicador que é a migração. Como o país é muito grande e conta com uma diversidade social, cultural e econômica, a migração desenraiza a pessoa e, nos grandes centros, nas periferias e sem emprego, ela corre o risco de se entregar para o mundo da droga e da violência. 

JM – Que avaliação o senhor faz do debate promovido pela CNBB com os sete principais candidatos à Presidência da República e exibido, na quinta-feira (20), na TV Aparecida? Eles estão preparados para assumir esse papel de preocupação com o povo?

Dom Paulo Mendes – Primeiro é bom dizer que o debate é uma tentativa de contribuir para o momento eleitoral e político. Revela também que a Igreja está preocupada com a situação do país. Participo desses momentos de discussão – como da assembleia geral – todos os anos e também do Conselho Permanente da CNBB, e a grande preocupação tem sido a situação do povo. Um país que precisava estar saudável está cada vez mais complicado. Temos que saber que nenhum candidato conseguirá resolver os problemas do Brasil de uma hora para outra. Não podemos achar que fulano de tal vai salvar o Brasil, porque não vai. Mas o candidato eleito deverá colocar algumas coisas nos eixos e, para isso, precisará valorizar certos setores da sociedade. Dizem que o país se desenvolve com o agronegócio, tudo bem, mas não se pode deixar de olhar as necessidades mais básicas da sociedade. 

JM – Este ano a Igreja vai apontar um perfil para orientar os eleitores cristãos?

Dom Paulo Mendes – É preciso valorizar a saúde, pois basta olhar para como ela está hoje. Se não houver investimento, não melhora. Paralisaram a aplicação de recursos por 20 anos, o que pode prejudicar determinadas áreas que são fundamentais. Também é preciso olhar para a educação. Sabemos que nos países mais desenvolvidos a educação é um dos pontos altos. É necessária ainda atenção com os cinturões de pobreza, dando destaque ao bem-comum, e não aos próprios interesses. Hoje vemos nos políticos muito interesse pessoal ou o favorecimento de grupos ou partidos. Aliás, vi no debate que os candidatos se nomeiam como adversários, e não o são. Podem ser concorrentes a um cargo, mas enquanto continuarmos puxando apenas para o nosso próprio lado, perderemos o sentido do bem-comum, e a política é a arte de fazer o bem-comum. Não há como mudar o país sem uma boa política, e não com politicagem, como tem ocorrido no Brasil. Quando se fala em eleição, observo que vivemos uma crise de poder no Brasil, pois entendo como poder aquilo que vem da liberdade. Na Igreja dizemos que o poder vem de Deus, que se traduz pelo nosso voto. Quando você depara com voto comprado ou manipulado, não se pode considerar que o poder exercido vem de Deus, por isso nós vivemos essa crise hoje. E estamos vivendo uma situação tão grave com as investigações da Lava-Jato e outras confusões, que vemos o dinheiro passando a dominar tudo. Outro ponto é um candidato que respeite a diversidade e a religião do outro. Ainda que você não concorde com certa atitude do outro, mas não se pode deixar de respeitar a identidade dele, e isso é fundamental. O respeito aos direitos humanos, evitar a concentração de renda, combater os privilégios, saber que não se resolve tudo sozinho e que tudo se acerta pelo diálogo são alguns pontos. Está aí o grande perigo de um candidato salvador da Pátria, mas que não tem facilidade de dialogar ou fazer parceria com os outros, porque sozinho não se resolve nada. Outra questão é um candidato que respeite a vida. Hoje vemos a questão da ameaça à vida com a questão do aborto, por isso temos que procurar uma pessoa que tenha um critério moral para proteção da vida, ao invés de facilitar a destruição dela. 

JM – A Igreja Católica brasileira é conhecida por sua preocupação em participar de maneira politizada das questões sociais do país. Neste momento de grandes incertezas sobre o futuro do Brasil, qual é a posição da Igreja diante das eleições que serão realizadas dia 7 de outubro?

Dom Paulo Mendes – Primeiro que a Igreja não tem candidato e nunca faz opção por um, ainda que algum membro faça a sua opção por um candidato ou outro. Hoje mesmo vi um padre defendendo “fulano de tal”, mas não representa a palavra da Igreja, e sim uma opção pessoal, mas ela tenta apresentar alguns critérios, e estes que eu apresentei são alguns dos critérios com os quais a Igreja está sempre preocupada. Já que o voto é uma questão de liberdade, a Igreja entende que se ela faz a opção por um candidato, está tirando a liberdade de alguns eleitores que acreditam que devem seguir o que a Igreja falou. Às vezes criticam a Igreja Católica por não fazer opção por um determinado candidato, e dizem que a Igreja Evangélica fez opção por fulano, mas no fundo isso é retirar a liberdade do povo de agir e fazer a própria escolha, é semelhante ao voto comprado. Se o poder de Deus vem pelo voto, esse voto tem que ser com liberdade, se tiramos a liberdade, não se pode dizer que esse poder tenha legitimidade. É isso que estamos vivendo no Brasil, uma falta de legitimidade, e tenho tentado falar disso em meus artigos publicados no Jornal da Manhã. A Igreja tem soltado diversas notas, como é o caso da cartilha produzida pela Regional Sul 2, no Paraná, que serve como uma orientação política, dando algumas dicas, como a preocupação com a crise ética, ameaças à democracia, corrupção, descrédito da política e dos políticos, acirramento da politização, etc. E o destaque, que não se pode perder de vista, é que cristão não pode perder a esperança. É preciso levantar os olhos para saber que é possível mudar. Não distribuímos essa cartilha, mas temos o aplicativo “Arquidiocese de Uberaba”, totalmente disponível para Android e parcialmente para o iOS, com uma área específica com conteúdo educativo sobre as Eleições 2018. O papa Francisco tem dito, inclusive, que a política é o melhor caminho de praticar a caridade. O papa diz que “é necessário que os leigos católicos não permaneçam indiferentes à vida pública e nem fechados em seus templos, e nem sequer esperem as diretrizes ou recomendações eclesiais para lutar em favor da justiça e das formas de vida mais humanas para todos”. Então, não há como alguém dizer que é apolítico e que não se envolve com política, porque isto também é um tipo de política, ou seja, foi feita uma escolha. É preciso fazer a escolha pelo bem-comum. 

JM – Em âmbito interno, a Igreja vem enfrentando um momento de crise em razão da crescente divulgação de casos de pedofilia envolvendo seus religiosos. O papa Francisco tem feito questão de tirar esses casos do sigilo, contrariando o esforço “sistemático” feito por líderes da Igreja para encobrir os crimes. Essa situação prejudica a imagem da Igreja perante seus fiéis e a sociedade em geral?

Dom Paulo Mendes – De certa forma afeta, mas eu diria que isso sempre existiu também no passado, desde o primeiro homem na Terra existem essas coisas, e podemos dizer que a imprensa está fazendo seu papel de dar publicidade a estas coisas, o que cobra de nós uma responsabilidade ainda maior. Não é por acaso que hoje o papa Francisco, com todo o seu jeito de ser, de uma Igreja aberta e fraterna, não concorde com os escândalos que estão acontecendo. Tanto é que está penalizando bispos... Saiu em jornal que o papa suspendeu dois bispos que se mostraram coniventes com uma situação dessa. Ele escreveu uma carta com o título “Como uma mãe amorosa”, em que diz que bispos que forem coniventes com situações que tragam prejuízo físico, espiritual, moral e patrimonial serão afastados de suas funções. A Igreja está muito preocupada, o papa está preocupado com tudo isso e reconhecemos que há esse lado baixo dentro da Igreja, mas entendemos que os escândalos chocam e ao mesmo tempo servem como purificação, o que ocorre não só na Igreja Católica, mas também na Igreja Evangélica e dentro das famílias. Onde estão as pessoas está também a fraqueza humana. A Igreja trabalha para termos pessoas melhores, mas, perfeição só em Deus. Como bispo, tenho que fazer a minha parte, tanto é que temos tomado algumas providências a respeito de alguns fatos que têm ocorrido por aqui, como em todo lugar. Estou dando atenção à Arquidiocese de Formosa (GO) e a Igreja toda sofre por causa de situações como estas. 

JM – Em agosto, a ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber promoveu uma audiência pública para discutir a descriminalização do aborto, com a interrupção da gestação com 12 semanas ou quase três meses. Ainda sem data para votação, como o senhor vê essa questão?

Dom Paulo Mendes – A Igreja nunca vai abrir mão disso, porque não é da Igreja, é bíblico, e aquilo que não é bíblico a Igreja nem discute. A posição da Igreja é que a vida deve ser valorizada da concepção até a morte natural, e isso não é resultado de um tradicionalismo, mas é inconcebível dizer que até o terceiro mês de gestação não há vida. Se nós estamos aqui hoje é porque passamos por essa fase. E acho que o governo que toma essa posição, no fundo, está agindo contra o povo. Que se invista em políticas para controle da natalidade, mas tirar a vida não! Até no caso dos anencéfalos, que nascem, às vezes, com a expectativa de sobrevivência de dois dias. Deixa nascer. Pelo menos a mãe nunca vai ter na consciência alguma atitude de ameaça à vida. Quantas famílias já assumiram riscos, com tanto amor e carinho, de uma criança nascer com deficiência e se surpreenderam? Com o aborto, o que sobra é um peso na consciência que vai acompanhar a pessoa para a vida toda. Então, a posição da Igreja é essa, mesmo que haja essas discussões, ela sempre seguirá esse preceito bíblico. A vida em primeiro lugar. Como estamos vivendo um momento de crise moral, de um desrespeito muito grande, é possível que essa decisão passe, porque sabemos que já há milhões de abortos. É preciso ter mais informação e investimento em métodos mais naturais de controle da natalidade. 

JM – No início do ano, o senhor foi nomeado temporariamente como visitador apostólico da Diocese de Formosa, a pedido do papa Francisco, diante de denúncias de corrupção e desvio de dinheiro de ofertas contra o bispo José Ronaldo Ribeiro e outros quatro sacerdotes. E, recentemente, o senhor assumiu interinamente a administração da diocese...

Dom Paulo Mendes – Isso ocorreu quando começaram a sair certas notícias nas redes sociais de acusações em Formosa. O papa me nomeou para visitar a diocese para ver o que estava acontecendo, conversar com os padres e os leigos e fazer um relatório. Acontece que, antes da minha ida, houve a prisão do bispo, alguns padres e leigos. Então, fui nomeado administrador apostólico sede plena, visto que o bispo estava apenas afastado. Após um mês, eles foram soltos por habeas corpus e o bispo continuou morando lá. Até que, no dia 19 de setembro, dom José Ronaldo pediu a renúncia e o papa aceitou. Então, fui nomeado administrador apostólico sede vacante, significa que agora o papa pode nomear um novo bispo, mas, enquanto isso não ocorre, sou responsável pela administração da diocese e não sei até quando vai isso. No âmbito civil, a Justiça está ouvindo os investigados, os denunciantes e eu também vou ser ouvido para que cheguem a uma conclusão e realizem o julgamento. 

JM – Como está sendo administrar duas dioceses?

Dom Paulo Mendes – Estou ficando mais tempo aqui, porque minha agenda este ano já estava muito cheia, e no ano que vem, se continuar assim, passo uma semana aqui e outra lá. No mês que vem será assim, mas é claro que pesa. Lá as viagens são muito longas. A última vez que fui, viajei até uma paróquia a 300km de distância da sede, muito longe. Nós montamos lá uma nova equipe, com vigário-geral para administrar na minha ausência, ecônomo, chanceler da Cúria, os párocos das paróquias onde os titulares foram presos e afastados.

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