ARTICULISTAS

Um Cérebro do Passado e o Dinheiro

Rafael Campos Oliveira Jordão
Publicado em 13/07/2020 às 15:55Atualizado em 18/12/2022 às 07:50
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Para entender um pouco sobre a nossa relação com dinheiro e/ou escolhas que fazemos diariamente não podemos pensar somente no agora, é importante também pensarmos nos nossos antepassados. Para ser mais exato milhares e milhares de anos atrás, quando geladeira era uma palavra que não existia e dinheiro um conceito longe ainda de ser imaginado.

Pense nos homens da caverna, os recursos alimentares eram raros. Pouco recurso resultava em uma briga constante simplesmente para sobreviver. Nossos antepassados não possuíam geladeira, e o resultado de um dia de trabalho era a comida que coletaram. Um dia produtivo poderia gerar 1000 calorias. Consumir tudo em um dia era o lógico e básico a se fazer.

70 mil anos atrás é o estimado de quando ocorreu nossa revolução cognitiva. Nosso cérebro não mudou muito desde então. Infelizmente temos que lidar com o mundo que mudou infinitamente mais rápido, e o resultado disso é a adaptação do cérebro com os recursos que ele possui.

Usaremos o dinheiro como exemplo. Não há área cerebral que seja dedicada ao dinheiro. O que temos são áreas relacionadas a emoções, raciocínio abstrato, linguagem entre outros. O dinheiro é só uma parte da nossa vida mental. O cérebro então deve se adaptar com o que tem. O resultado é que áreas responsáveis por emoções negativas como raiva, medo e nojo são ativadas quando gastamos dinheiro físico¹. Essas mesmas áreas do cérebro são pouco ativadas quando pagamos com cartão de crédito. Como você pode ver, é uma tentativa de adaptação. Que pode criar vários problemas.

O surgimento do dinheiro acaba por dificultar nosso entendimento de valor das coisas. Quando trocávamos peixes por trigo, a troca era clara. O dinheiro veio intermediar essa informação. O resultado é confusão para o nosso cérebro.

Assim, nossa relação com o que produzimos e consumimos é um tanto quanto perturbada. Como falei, o lógico a ser feito pelos nossos antepassados era consumir tudo que produziram, porém tivemos um antepassado que se sobressaiu: Homo Ergaster. O que ele fazia era diferente dos outros. Ele não consumia tudo que produzia. O tutano dos ossos, produto resultado da caça, era guardado para melhorar a próxima caça como armas. O que ele estava fazendo era poupando um pouco do que produzia para um melhor rendimento no futuro. Uma escolha difícil de ser feita.

Salvo o imediatismo que é algo absolutamente normal no ser humano, a atitude do Homo Ergaster é digna de nota. Não é fácil fazer isso. Não é fácil abstrair um consumo imediato para um bem maior no futuro, principalmente quando muitos possuem tão pouco, guardar algo passa a soar como aberração, mas aqui temos um aprendizado importante.

Nosso cérebro trabalha com o que tem. Não somos piores por não conseguirmos poupar como um homem das cavernas faziam, mas podemos ser melhores ao entender como funcionamos e usarmos isso ao nosso favor.

Referência:

¹Mazzola, L., Mauguiére, F., and Isnard, J. (2019). Functional mapping of the human insula: data from electrical stimulations. Rev. Neurol. 175, 150–156. doi: 10.1016/j.neurol.2018.12.003

Rafael Jordão, é psicólogo de formação pela Universidade de Uberaba, possui MBA na área de Economia Comportamental pela ESPM e é mestrando em Psicobiologia na linha de comportamento econômico na USP. Atualmente é psicólogo organizacional na Ebserh. @rafael.jordao

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