ARTICULISTAS

Minha adolescência na ‘vó Bibina’

Juarez Alvarenga
Publicado em 21/10/2013 às 12:00Atualizado em 19/12/2022 às 10:34
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Tinha quatorze anos quando preferi viver à margem da sociedade. Talvez seja por falta de um rio, onde pudesse mergulhar e nadar com naturalidade. Tomei, então, a iniciativa de dormir na casa de minha avó Bibina, madrasta de meu pai, que morava retirado da cidade. Pegava meu rádio e, todas as noites – de luar ou não –, ia dormir neste sítio retirado.

Compreendi desde cedo que devemos ter agressividade com nossos sonhos. Naquela época já percebia que as pessoas submetiam seus tímidos objetivos à monotonia diária. Tinha convicção que a grandeza de meus sonhos chegava até mesmo a me marginalizar. Mas foi através destes sonhos que petrificaram em mim que consegui pavimentar meu destino relativamente vencedor.

Acordava de madrugada e começava a estudar. Sonhei com um destino normal, em ser um competente engenheiro da Usiminas, mas minha vida tomou direção infinitamente diferente. O foco era outro e os instrumentos usados começaram a fazer as coisas acontecerem devagar, porém, solidamente.

Hoje, vejo as meninas de minha época e fico imaginando que a vida nos retira tudo que ela temporariamente nos dá com abundância. Elas, as meninas de minha época, chegaram até a sonhar com o cantor Fabio Junior, mas as realidades as levaram para situações desfavoráveis e a destinos totalmente diferenciados de seus sonhos de adolescência.

Menino tímido e observador, lembro-me de um mês de maio juntamente com meus colegas numa “eletrolar” de marca “Sonata” e, com disco vinil, enfrentávamos os pais das meninas de minha época, adicionadas ao frio, mas íamos fazer serenata. A realidade daquela época era totalmente desfavorável quando colocava aquela coleção só de música romântica, ignorava que as moças de meu tempo estavam pensando em outros homens que não era eu; porém, hoje percebo que o sacrifício foi em vão.

Hoje, por não ter deixado meus sonhos à beira das estradas, parece-me que aquela sociedade um dia me marginalizou quando comecei a perceber a viabilidade de meus sonhos.

Existem muitas maneiras de olhar a natureza humana profundamente. Sabemos que são rigorosos, pelo menos com os outros, e só aceitam vencedores, ou melhor, só veem o resultado positivo pronto; não imaginam os bastidores e as dificuldades para atingir tais objetivos.

Se você tem algum objetivo, aprenda que o silêncio dele esconde também as derrotas encontradas dentro de sua trajetória.

Esqueça as dádivas, estique o arco, aprenda a dar direção às flechas e mire com determinação, depois é só esperar o resultado.

Nos momentos de construção, aja como um humilde pedreiro, que chega até mesmo a aceitar a descriminação, mas depois do edifício pronto, coloque-o em lugar estrategicamente visível.

Na época que comecei a alimentar meus sonhos de fragmentos reais, percebi a voracidade e a insaciabilidade que um sonho em ação nos consome.

Hoje, tenho a noção de que as músicas do passado não chegavam aos ouvidos das meninas de minha época, mas estou com novos tons de quem aprendeu a afinar os instrumentos desafinados na vida.

Juarez Alvarenga

advogado e escritor

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