ARTICULISTAS

Fragmentos da memória

Quando a vi pela primeira vez, com uma trouxa

Maria Aparecida Alves de Brito
Publicado em 17/05/2014 às 20:05Atualizado em 19/12/2022 às 07:42
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Quando a vi pela primeira vez, com uma trouxa pesada às costas, pensei: como deve ser sofrido o caminhar da pessoa que transita pela terra fugindo dos próprios pensamentos. Quanta amargura entre passado e presente ela consegue suportar naquele corpo tão franzino, castigado pelo tempo e os delírios que devagarzinho vão minando todas as suas forças. Fico imaginando em que momento da vida ela se dissociou da realidade, abriu o portão de casa e sem se despedir, sem olhar para trás, sem ter noção das dores que iria causar, com os pés descalços, com a roupa do corpo, fechou o portão atrás de si e se foi para nunca mais voltar. Em suas andanças, ela passa sempre pela rua onde moro. Ofereço-lhe o que tenho no momento para comer, ela aceita e com um largo sorriso me agradece. Tento manter com ela um diálogo, mas não há trocas na nossa relação. Ela sem falar de si e eu sem insistir. Mas, como eu gostaria de montar esse quebra-cabeça, juntamente com ela. Por onde começar? Muitas são as histórias de desacertos, de padecimentos e amarguras que entremeiam os caminhos de uma pessoa andante. Penso que deve haver algo que a medicina psiquiátrica, juntamente com uma assistente social e uma psicóloga, possa fazer para libertar estas almas feridas, infelizes e atormentadas das sombras em que vivem. Devolvê-las sadias às suas famílias, ao carinho dos filhos, ao convívio social. Bastaria que alguém se dignasse a lançar um olhar de bondade sobre essas pessoas, acolhê-las e libertá-las das perturbações e das aflições em que se encontram, e que, sozinhas, jamais conseguiriam. Peço a Jesus, como fez o espírito de Cáritas, em 1873, quando nos presenteou com esta maravilhosa oração em forma de súplica: Pai, dai a ela uma estrela que a guie, quando ela estiver em aflição, dai a ela o consolo. E quando ela adoecer e não mais sentir forças para caminhar, dai a ela um lugar para repousar o corpo cansado. Dai a ela um chão repleto de estrelas, entre nuvens macias e uma lua que nunca se apague para que ela possa seguir sua viagem rumo a um mundo onde lhe seja possível desfrutar do descanso que nunca teve na terra.

(*) Pedagoga, Especialista em Educação Especial

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