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Evódio e um sorriso

Ao ver àquela morena de sorriso largo, de cabelos repousantes cobrindo o colo, não pensou duas vezes em caminhar ao seu encontro.

Gilberto Caixeta
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 17/12/2022 às 03:55
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A distância não era grande; a ansiedade de falar, sim. Abrir a boca ajuda ou atrapalha, não há meio-termo.

A imagem pessoal é figurativa e pode ser decepcionante com o passar do tempo, ou não, mas o falar é marcante. Sempre fica um resto de fala para se aproveitar para o próximo encontro e, quando ela é azarada, não se conserta com facilidade.

As impressões são sinais captados pelo outro e qualquer equívoco é de quem analisou ou julgou pela aparência, mas falar é dar recibo do pensar, enquanto que o escrever é deixar para a posteridade, mesmo que seja porcaria.

Evódio continuou a caminhar. Nem queria pensar no que a morena estava pensando naquele momento. Ele precisa centrar os seus neurônios, buscar sua intuição e se inspirar no que falar. Ela o olhava e sorria com um sorriso de convite desejoso de compartilhar lábios secos, que querem umedecer em brancas espumas borbulhantes.

Evódio mirou nos cabelos dela, que pareciam um véu de veludo a cobri-la, e se permitiu a penteá-los em noite sem estrelas, onde os corpos se confundem com a noite e se vêem em leves toques de dedos escondidos entre carícias.

Ele continuou a caminhar em seu rumo, acreditando que, a partir daquele encontro, os seus desencontros seriam um colo de repouso. Os seus ouvidos ouviriam músicas cantadas de lábios e as mãos serviriam ao amparo do mel jorrado de gozos.

Andou um pouco mais e parou: Ouviu um soar de telefone; olhou rápido, sem ver quem falava ao telefone. Olhou a morena – ela sorria, brincando com os cabelos a desnudar um farto colo de algodão – e pensou; sim, ela sorria para mim. Será que ela não me confundiu com alguém, ou o seu sorriso é proposital? Evódio olhou novamente e não havia ninguém ao seu lado, atrás, na frente; estava só. Aquele olhar e aquele sorriso eram para ele; podia relaxar e entoar a voz, sem gaguejar na primeira palavra.

Jamais direi — pensou — "te conheço de algum lugar"! Não serei vulgar cantando-a, comparando-a com bichos e bonecas, estalando sons guturais ou assobios.

Serei sério e elegante, como toda mulher merece, como se fosse possível — pensou.

Evódio continuou com as passadas. Um pouco mais estaria cara a cara com ela e não havia decidido o que falar.

Ao se aproximar, ao abrir a boca para perguntar as horas, lembrou que estava de relógio e isso não tinha o mínimo sentido. Então, passou reto e sentiu a leve fragrância de seus cabelos, e os seus olhos enxergaram uma pele macia. Ao passar por ela, teve seu corpo todo empipocado; notou que no dedo da mão esquerda dela havia uma marca de aliança, que o tempo encarregou de cicatrizar. A tatuagem foi grafada pelo sol e a aliança, agora, jogada num canto qualquer. Evódio deu meia volta e a encarou dizend Que calor! Será que vai chover? Ela sorriu, assustada, pedindo desculpas por ele atrapalhar o marido a tirar fotos pelo celular.

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