ARTICULISTAS

Dever para receber

Marcelo Guaritá Bento
Publicado em 23/01/2012 às 21:52Atualizado em 17/12/2022 às 07:54
Compartilhar

É sabido que o sistema tributário brasileiro é repleto de dificuldades de interpretação e distorções.

Também é sabido que o governo é mau pagador e que prorroga, o quanto pode, os pagamentos a que está obrigado.

Sabido é também que a fila dos precatórios (créditos reconhecidos pela Justiça de forma definitiva contra a União, Estados e Prefeituras) a que os credores estão submetidos é longa, demorada, e cheia de interferências legislativas.

Vira e mexe, o conivente Poder Legislativo, a pedido do Executivo, covardemente, altera as regras do jogo, aumentando o tempo de sofrimento.

Não é raro os precatórios serem recebidos pela terceira geração de credores, tendo duas delas literalmente “morrido esperando”.   

E quando os contribuintes credores descobrem formas de antecipar seu crédito, como as vendas para compensações de terceiros, o Governo e o Fisco, aí sim de forma rápida, correm para tentar impedir o uso e vedar a possibilidade.

É o caso da lei conhecida pela alcunha de Frankstein, Lei nº 12.431/2011.

Um exemplo do comportamento do Estado devedor é a grita fiscal contra compra de precatórios de terceiros para compensação e a defesa do argumento de que o art. 78 dos Atos das Disposições Transitórias da Constituição (ADCT) não está regulamentado para possibilitar a efetivação da mesma, como se houvesse a necessidade.

E gritam ainda que os deságios praticados pelo mercado de papéis são absurdos, esquecendo-se de lembrar aos incautos de que o Governo é o maior culpado pela existência desse comércio paralelo, secundário e triste.

Mas o que pretendo aqui é chamar a atenção para um fato que acredito simbólico nessa confusão toda.

O art. 30 e seguintes da norma acima citada (Frankstein – por tratar de tudo ao mesmo tempo, sem qualquer identidade de conteúdo ou organização temática), permitem (no entendimento do Fisco é obrigação) a compensação de débitos antes de pagar o precatório.

No entanto, importante consignar, que vale só do lado fiscal, ou seja, o Fisco vai compensar os débitos com o crédito do contribuinte, antes da União fazer o pagamento do precatório.

O contrário não é verdadeiro, isto é, aos olhos dos fiscais, o contribuinte não tem direito de compensar, só a Fazenda Pública tem o super poder de fazê-lo.

O Tribunal, antes de pagar o precatório, vai intimar a Fazenda Pública Federal para que ela se manifeste se quer receber algo.

Dessa forma, mediante a compensação, a Lei prevê ainda que os parcelamentos serão quitados a vista, mesmo as parcelas não vencidas.

Há ainda outra distorção no art. 42 da mesma lei, que estipula que somente o valor líquido do precatório, após o abatimento dos débitos, será pago de forma parcelada. (Só para esclarecer, é isso mesmo, o Fisco recebe a vista, mas o contribuinte recebe em parcelas anuais).

É uma antecipação do valor para o pagamento de dívida, o que antes era sujeito ao pagamento em parcelas ao contribuinte, é usado para quitação com o Fisco Federal de forma integral. Se é para o contribuinte, parcela. Se é para o Fisco, a vista.

Para alguns, isso pode refletir em uma maneira indireta de otimizar o recebimento. 

Assim, o contribuinte que tem direito a receber créditos em forma de precatório, está, de maneira inversa, sendo estimulado a dever para receber.

Vejamos. As construtoras de obras públicas, por exemplo, muitas delas, têm créditos do Estado a receber e tributos a pagar.

Algumas morrem ricas, em outras palavras, não têm fôlego para esperar o devedor quitar sua dívida, cada vez mais postergada por recursos protelatórios e parcelada por novas normas, e não conseguem sobreviver para receber, cessando assim suas atividades, mesmo com o balanço “cheio”.

Nesse cenário de falta de caixa ou capital de giro, existem consultas de empresas no sentido de prorrogar o pagamento, o mais possível, suspendendo as cobranças, entulhando a justiça, com o objetivo de tão somente aguardar a compensação de ofício com o precatório que se tem para receber.

A empresa não mais conflita por estar convencida de suas razões, mas sim para ganhar tempo, buscando conseguir aproximar as datas de pagamento e recebimento. Claro e óbvio que não é a melhor saída.

Os juros são caros (Selic), a Justiça aumenta seu afogamento, os problemas operacionais da empresa se agravam, os custos administrativos sofrem incrementos, entre outros dissabores.

Mas, para alguns, pode ser a única alternativa para continuar aguardando seu precatório ser pago sem parar suas operações. 

O Governo, ao não pagar em dia o que deve, pode estar cultivando um círculo vicioso que não traz vantagem a ninguém.

E aí, vale o adágio popular, o tiro saiu pela culatra. Ou então, “se não paga, não recebe”.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Logotipo JM Magazine
Logotipo JM Online
Logotipo JM Online
Logotipo JM Rádio
Logotipo Editoria & Gráfica Vitória
JM Online© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por