O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente em uma folia O que será (à flor da pele) – Chico Buarque de Holanda
Vivemos em tempos difíceis. A desumanização, o indiviadualismo e a busca por satisfações imediatas distanciam os sujeitos. Os afetos são diluídos em experiências fugazes, demarcadas pelo fogo das paixões, numa demanda demarcada no espaço-temporal ou no espaço-virtual. Tudo acontece em fragmentos e sob o império da liquidez. Nos permitimos apaixonar porque é da essência da paixão o não se comprometer com o outro, por ser revigorante enquanto dura e por ter os dias contados. Entretanto, se engana quem não vislumbra suas consequências, uma vez que a paixão não faz ver (a paixão cega; o amor, não) o que existe e apaga de nossa visão o que sinaliza perigo.
E o amor? Ah, o amor!
Narrado em versos e prosas; ritmado em todos os gêneros musicais; romanceado; representado nos palcos; encenado nas cerimônias de casamento (verdadeiros contos de fada disponibilizados por um segmento do mercado); ofertado nos sites de relacionamento e agências de encontros amorosos e idealizado por todos. Sua representação se equipara ao verdadeiro mito de felicidade. As pessoas persistem, percorrendo ao ideal do amor romântico e, contraditoriamente, se deparam com os amores do tempo pós-modern o do individualismo; do amor egocêntrico; do amor aderência, etc.
As relacões amorosas carecem do comprometimento com o Outro e do cuidado com o vínculo. As pessoas adoecem na disfuncionalidade amorosa. Todos se angustiam e o que resta é a questão ideológica: como amar e ser amado de verdade nos dias atuais? O que me parece é que estamos diante de um grande paradigma: evitar as emoções, viver as emoções.
A psicanálise nos ajuda a compreender por que preferimos a conhecida familiaridade de aspectos domesticados de si mesmo do que partir em busca de possíveis dimensões emocionais. Assim, evitamos viver paixões incandescentes e apagamos na rotina, no cansaço, na repetição, no tédio, na intelectualização, as lavas emocionais.
Podemos vislumbrar novas perspectivas para o amar e ser amado em tempos pós-modernos? É possível que sim, e o motor pode ser a necessidade de que aquilo que não pode ser ditto e a incapacidade de dizer encontrem um espaço-tempo que leve à capacidade de pensar e de dizer. Há que se pensar na transformação do aparato para pensar. Aquela cuidará de nos encaminhar aos afetos.
Nessa linha reflexiva, concluo com Ogden (1994), “O encontro com a outra pessoa é a única forma de cuidar do grito que não podemos produzir sozinhos. Com a condição de não ficarmos atordoados e submersos”.
(*) Psicóloga Judicial, presidente do IBDFAM – núcleo de Uberaba