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Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 26/12/2022 às 22:05Atualizado em 29/12/2022 às 07:36
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Estar numa fazenda, nos anos 1960, ainda que de férias ou em finais de semana, era algo formidável para a meninada da cidade. Cada acontecimento era uma novidade, chance de aprendizado e entretenimento. O espaço amplo, a biodiversidade, os horários inerentes à atividade rural – faziam toda a diferença. Subir em árvores, comer frutas direto do pé, nadar nos córregos ou cachoeiras e andar a cavalo era muito melhor do que ficar preso numa sala de aula ou num quintal cimentado. Nessa época, a eletricidade ainda não tinha chegado, o fogão a lenha reinava absoluto nas cozinhas e a televisão nem dava sinais de que logo assumiria um protagonismo arrogante e invasivo no cotidiano das pessoas.

De lá para cá, os ritmos de produção e as características da vida social mudaram muito, exigindo alterações radicais de comportamento. Na década de 1960, o Brasil vivia seus últimos momentos antes da “Revolução Verde”. Esta expressão se refere à disseminação de práticas e de insumos que permitiram um aumento extraordinário na produção agrícola. Iniciou-se nos Estados Unidos e logo chegou à Europa, visando a seus próprios interesses. Nos anos 1970, esta “Revolução” avançava em vários países, trazendo o uso intensivo de adubos, de agrotóxicos, de máquinas agrícolas e acentuada redução da mão de obra no campo. O mundo mudava para sempre, de modo irreversível e intenso. Só não mudaram algumas concepções arcaicas e conservadoras dos que não compreenderam as transformações em curso.

As preocupações e os estudos socioambientais foram bastante impactados por essas mudanças. Alertas sobre a presença perniciosa de pesticidas, o uso cada vez maior de plásticos no cotidiano, a contaminação crescente por produtos químicos altamente poluentes, acidentes de proporções assustadoras, como o de Bhopal, na Índia, e o risco da expansão descontrolada da energia nuclear trouxeram questionamentos vindos de várias frentes.

Em 1972, a ONU realizou sua histórica conferência sobre o meio ambiente. A partir dessa reunião, a questão ambiental passou a ocupar um lugar de destaque na agenda política das nações. Nunca houve consenso, mas sacudiu as ideias existentes, contribuiu para mudar atitudes e hábitos de consumo.

A garotada não sabia que estavam comprometidas as férias na fazenda. A renovação tecnológica em curso iria alterar muita coisa. Sem pedir licença, ela escancarava as porteiras. A velocidade aumentou, o tempo encurtou, o mundo digital tornou-se inevitável, produtos desconhecidos invadiram prateleiras de supermercados e da Internet.

Não sou adepto do saudosismo, como já afirmei em crônicas anteriores, mas desconhecer o passado e não interpretar os fatos de modo dinâmico e científico significa caminhar na contramão da história. Defender a existência, a conservação e o convívio em áreas verdes, parques, praças, jardins – embora não substituam a rica vivência de férias passadas no meio rural – é urgente. Além de saudável, é um direito de todos. Eis uma boa luta para o próximo ano.

 

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