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Observar os sinais

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 31/10/2022 às 19:14Atualizado em 15/12/2022 às 23:58
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Vai chover hoje? Se chover, vai ser chuva demorada ou chuva rápida? Na fazenda do meu avô, a probabilidade de cair um pé-d’água dominava as conversas e o comportamento da criançada. As perguntas eram dirigidas a quem encontrássemos pelo caminh mãe, pai, tios, avô ou avó. Não ficávamos satisfeitos com uma única resposta, queríamos a confirmação, uma certeza que ninguém poderia oferecer. Às vezes, a pergunta era repetida, insistida, implorada. Não se tratava de investigação meteorológica ou curiosidade climática, pois uma chuva ou um imprevisto qualquer poderiam atrapalhar nossas brincadeiras, nosso banho de cachoeira, nossos passeios pelo quintal.

Aqueles que a gente achava que saberiam responder aos nossos questionamentos geralmente estavam muito atarefados, envolvidos em trabalhos e afazeres intermináveis, então empurravam o assunto mais para frente. Não existia televisão por lá, sequer energia elétrica, e muito menos tínhamos o costume de acompanhar a previsão do tempo. Restava o quê?

Observar os sinais.

Observar os sinais fazia parte do aprendizado, da observação da vida, do meio ambiente, e ajudava os adultos a se livrar das constantes dúvidas que apareciam, embora fossem importantes na ótica da leitura da realidade. Sabe-se lá se funcionava ou não, mas pelo menos aprendemos a prestar mais atenção nas coisas do mundo. Quais eram os sinais? Onde estavam? Nos pássaros e em seus voos, na sua vocalização. Eram avisos? Saberiam eles nos indicar a proximidade das chuvas? Também era para procurar aranhas e observar suas teias. Meu avô dizia que elas recolhiam as teias quando ia chover. Eram espertas, não podiam se arriscar a perder seu trabalho nem os insetos capturados. Era para prestar atenção. Se elas começassem a recolher a teia, como minha avó fazia com a roupa do varal, a chuva não tardava. Acho que meu avô dava um jeito de nos distrair com essas ideias, afinal, se minha avó saía correndo para recolher a roupa, é porque já estava chovendo, não é?

O fato é que passamos a reparar nos sinais, quaisquer que fossem. Do voo dos pássaros às teias de aranhas, aprendemos a observar melhor outros indícios, a prestar atenção às evidências de possíveis mudanças nos inúmeros cenários, sejam eles os do tempo ou os da vida social. Era preciso olhar as nuvens e notar a direção dos ventos.

Se hoje a chuva já não é o foco principal das nossas preocupações, embora seja capaz de atrapalhar um passeio ao ar livre, existem outros indicadores que merecem atenção. Pode ser a cotação das moedas estrangeiras, os índices das bolsas, o valor do barril do petróleo, o preço dos alimentos ou as falas das autoridades. Podem ser as manchetes dos veículos da imprensa ou os anseios do povo nas ruas. O aprendizado não se interrompe, mas é preciso aperfeiçoar a habilidade de olhar o mundo, a política, a vida.

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