ARTICULISTAS

Um oásis em meio ao caos

Olga Maria Frange de Oliveira
Publicado em 06/06/2020 às 07:46Atualizado em 18/12/2022 às 06:52
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Eu gostaria de escrever uma crônica leve, otimista, que despertasse nas pessoas a certeza de que depois da tempestade vem a bonança, fazendo com que todos se lembrassem de que as tragédias são cíclicas e se alternam com tempos de muita felicidade e abundância. Desejaria que ela fosse como um raio de sol que entrasse pelas frestas das janelas nas casas das pessoas, iluminando os cantos sombrios e aquecendo os corações.

Nenhum de nós nunca imaginou passar por essa situação que beira o surrealismo como a que estamos vivendo. De um minuto para o outro nos tornamos prisioneiros dentro de nossas casas. Quem diria? Estou enclausurada há vários dias à minha revelia, cumprindo uma quarentena forçada. De que me serve aspirar a liberdade? Tenho que pensar nos outros, tenho que me posicionar no mundo, zelar por ele e abafar meus brados de inconformismo.

Em meio à inesperada crise, penso em meu pai e em minha mãe, ambos já falecidos, mas ao mesmo tempo tão presentes em minhas lembranças. Tão poderosos, apesar de estarem em outra dimensão. Tão longe dos meus braços, mas ainda influentes nas minhas escolhas e nas decisões que tomo. Que conselhos eles me dariam hoje? Meu pai, decerto, um misto de sonhador e aventureiro, diria palavras pacificadoras e otimistas, enquanto minha mãe, com sua visão do mundo altamente discutível diria, com toda certeza, que lugar de mulher é mesmo dentro de casa e não batendo pernas na rua. Esses pensamentos me fazem sorrir e afastam momentaneamente minhas aflições.

Angustiada, penso na casa que construí, tijolo por tijolo, ao longo de cinco longos anos, que se tornaria símbolo da minha independência e liberdade. Amarela, como sempre quis, com cômodos amplos e arejados. Com jardins repletos de plantas que concordaram em permanecer comigo, com antúrios, rosas, gardênias, hortênsias, buquês-de-noiva e ixoras encarnadas e amarelas, além de alpinas vermelhas (que chamo de D. Odette, porque as mudas vieram do jardim de D. Odette Carvalho de Camargos, minha grande mestra, de saudosa memória).

Os manacás, os bicos-de-papagaio e os lírios-da-paz nunca se adaptaram ao espaço que lhes reservei, e acabei desistindo deles. Entendi que até as plantas fazem suas escolhas, e temos que respeitá-las. Do lado de fora, plantei uma quaresmeira no passeio, que enfeita a fachada do meu lar e, às vezes, forra o chão com um tapete cor de violeta que só o Criador saberia tecer. Sempre enxerguei no milagre da quaresmeira vestir-se de roxo na quaresma, uma mensagem divina. Uma imagem poética. Coisas que Deus criou com o toque da perfeição que existe em cada pequeno detalhe de sua criação, para nos inspirar.

Em meio a este oásis natural, espero o fim deste confinamento, pois concordo com Rachel de Queiroz quando ela disse: “Há que ter coragem para continuar vivendo, tem que se pensar no dia de amanhã, embora uma coisa obscura nos diga teimosamente lá dentro, que o dia de amanhã, se a gente o deixasse em paz, se cuidaria sozinho, tal como o de ontem se cuidou”.

E assim, em vez de cultivar pensamentos de solidão e desesperança, tenho mesmo é que redobrar nos cuidados, vigiar, orar e acompanhar a loucura geral que se instalou no mundo. Que o bom senso triunfe sobre todo o mal e que esse período sirva de aprendizado e crescimento para cada um de nós.

Olga Maria Frange de Oliveira

Pianista, professora, maestrina, regente do Coral Artístico Uberabense, pesquisadora da História da Música em Uberaba e ex-diretora-geral da Fundação Cultural de Uberaba

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