ARTICULISTAS

Política e religião

José Elias de Rezende Júnior
Publicado em 27/09/2022 às 20:56Atualizado em 17/12/2022 às 13:05
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A campanha eleitoral de 2022 tem sido considerada por especialistas como uma das mais pobres, desde a redemocratização, em termos de discussão de projetos de interesse da sociedade brasileira pelos aspirantes ao poder, o que tornou comum a invocação de pautas religiosas, morais e de costumes nos debates eleitorais, menos pelo real apreço que estas questões merecem e mais pela busca da captação dos votos de certos segmentos sociais.

Foi neste contexto que, recentemente, um dos grandes nomes do Movimento Espírita de Uberaba e do Brasil, o médium Carlos Baccelli, publicou, nas redes sociais, declaração de voto no atual mandatário máximo da nação, ao argumento de que esta candidatura mantém o Brasil no rumo de “guardião dos Princípios Cristãos, ante as ameaças que o Comunismo representa para toda a humanidade”.

Ainda que tenha se identificado, no início da postagem, como cidadão brasileiro, o que indubitavelmente lhe garante o direito de manifestar livremente o seu pensamento político, o signatário acrescenta, na sequência, as suas credenciais de “médium e orador espírita”, com as quais adquiriu prestígio nacional e internacional nesta seara.

A partir daí, não seria totalmente despropositado conjecturar que essa livre e legítima manifestação do pensamento de um cidadão brasileiro, ao invocar as referidas credenciais, possui o objetivo tácito de influenciar a escolha eleitoral de todos aqueles que admiram o seu trabalho e, num plano maior, daqueles que possuem afinidade com a Doutrina Espírita, o que, em outros tempos, já foi conhecido como voto de cabresto.

Deixando-se de lado as conjecturas, é fato que a Doutrina Espírita florescida na França e codificada por Allan Kardec na segunda metade do Século XIX, apresentou-se como um contraponto ao crescente materialismo da época, o qual, segundo o codificador, representaria a maior ameaça a ser combatida pela modernidade.

Neste aspecto, de fato, a mais difundida teoria do comunismo, concebida por Karl Marx, ao partir de uma análise da sociedade com base no materialismo dialético e na luta de classes, é inconciliável com os princípios da Doutrina Espírita, fundados inteiramente na Moral Cristã. Por outro lado, um dos principais contrapontos ao comunismo, qual seja, o liberalismo, propondo a organização social por meio de uma visão da existência humana fundada no individualismo, é igualmente inconciliável com aqueles princípios.

Dito isto e identificada a declaração de voto do ilustre médium como mera opinião pessoal sem qualquer amparo doutrinário, ainda assim o fato proporciona reflexões importantes acerca da pertinência da invocação de questões religiosas para a solução de problemas políticos da existência humana. A história demonstra, por exemplo, que o desvirtuamento do cristianismo da sua essência, não por acaso, ocorreu a partir do momento em que foi declarado como a religião oficial do Império.

Assim sendo, propõe-se a conclusão de que a salvaguarda dos princípios cristãos neste país não depende do resultado das eleições de outubro ou das preferências pessoais de cabos eleitorais. O fator determinante, neste aspecto, continua sendo o comportamento individual do verdadeiro cristão como instrumento de pacificação e de harmonização social, o qual será reconhecido, não por suas palavras, mas por suas ações que traduzam a crença em dois postulados básicos da doutrina de Jesus: a ação providencial de Deus sobre todas as coisas e os laços fraternos que unem toda a humanidade numa única família.

JOSÉ ELIAS DE REZENDE JÚNIOR

Advogado e professor universitário

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