Todos nós estamos na sarjeta, mas alguns de nós olham para as estrelas. Oscar Wilde
“Todos nós estamos na sarjeta, mas alguns de nós olham para as estrelas”. Oscar Wilde
Do folhetim para a vida real. Ou, melhor compreendendo, da vida real para o folhetim. Independe, tudo acaba nas redes sociais. Nos últimos dias nos deparamos com uma exposição frenética de saberes comuns, embalados de ideologias e ideias pré-concebidas, tendo como pano de fundo as cenas novelescas retratando a transexualidade e o poliamor (o relacionamento afetivo/amoroso/sexual entre duas mulheres e um homem). Os saberes especializados estão sendo substituídos. Tudo se reduz sob a perspectiva da moral.
O que não se percebe é que o que está no folhetim compõe a cena real. São representados fragmentos de vivências humanas. Tais fragmentos remetem às subjetividades e intersubjetividades e, nesse contexto, deveriam ser compreendidos para não se cair nas amarras moralistas.
As escolhas sexuais e/ou vivências de gênero não podem se verter ao pensar fundado na moral. Não são elas que desestruturam as dinâmicas familiares e/ou desmoronam a instituição sacramentada do matrimônio. A vida da gente não é só o que aparenta ser e demanda ser compreendida na complexidade.
Quando são atacadas referidas cenas novelescas em rede, vão se estruturando conceitos pervertidos. No contexto, sujeitos são afrontados e agredidos em sua subjetividade. Sim, insistimos em permanecer na sarjeta e incapazes de ver estrelas. Tempos pós-modernos impõem uma mudança paradigmática, com devida atenção, compreensão e respeito às individualidades.
O que nos torna mais humanos é a capacidade de concebermos as semelhanças que nos ligam e que são responsáveis pelos laços que compomos, e não a percepção indiscriminada de nossas diferenças.
A transexualidade está na vida da gente, e não no imaginário social vertido em cenas novelescas. As relações poliafetivas são reais, refletem escolhas permeadas de afeto e implicam também em direitos e obrigações, inclusive legitimados no Direito de Família, em decisões jurisprudenciais.
Do senso comum virilizado em rede, sob performance violenta e destrutuva, penso na promoção dos senhores moralistas, daqueles que comungam um contexto comum de intolerância e fanatismo. Aqui não posso deixar de referenciar Karl Popper, crítico do Relativismo e do “Mito do contexto”, entendendo com ele o quanto é falsa e perigosa a afirmação de que uma discussão racional e produtiva é impossível, a menos que os participantes partilhem um contexto comum de pressupostos básicos ou, pelo menos, tenham acordado em semelhante contexto em vista da discussão.
Isso é o que tentam os senhores moralistas nas redes sociais ao buscar adeptos à sua forma preconceituosa de conceber subjetividades e intersubjetividades. E é o que fazem aqueles outros moralistas que aderem aos discursos de ódio.
Em confronto ao “Mito do contexto”, Popper alertou que, se acolhida sua ideologia de forma generalizada, pode contribuir para o aumento da violência, minando a unidade da humanidade.
E assim persistem muitos, na sarjeta. Não querem ou não podem vislumbrar a complexidade envolvida nas escolhas e na natureza do humano. Insistem na sua permanência na sarjeta por entender que “o inferno são os outros”.
(*) Psicóloga Judicial, presidente do IBDFAM, núcleo de Uberaba