ARTICULISTAS

A última imagem

Fogo e fogos fizeram parte da minha puerícia

Carlos Alberto de Oliveira
Publicado em 31/07/2014 às 20:22Atualizado em 19/12/2022 às 06:39
Compartilhar

Fogo e fogos fizeram parte da minha puerícia. Posso dizer que era mesmo um especialista mirim. Quase todo objeto que perdia a sua utilidade primária, em minhas mãos, queimava. Longe dos olhos dos meus pais, eu aprontava sem parar; fabricava proezas repletas das mais absurdas inconsequências que uma criança pode cometer. Foram muitos os pequenos incêndios e poucos maiores. Muitas explosões, muitas latinhas de extrato de tomate lançadas a algumas dezenas de metros de altura impulsionadas pela expansão abrupta do ar, aquecido pelo fogo fugaz da pólvora cinza dos morteiros. Provavelmente, muitas penas das asas dos meus numerosos anjos da guarda queimadas em meu lugar conservaram-me ileso. Só por isso não fui eu também vítima do terrível poder destrutivo de uma explosão.

Mas os anjos não dão conta de conter gente ruim, que também compra fogos, não para brincar, mas para machucar. É outro folguedo, sem graça. Protestar, nem pensar. A ordem é anarquizar.

Quem quer se fazer ouvir fala e grita pelas faixas, pelos coros e pelas palavras de ordem. Quem leva ao palco da reivindicação não a voz, mas o rojão, está lá para ver no outro a dor. A violência é a fúria da reclamação, a parte suja fora do direito santo de protestar contra a mão de ferro do Poder nem sempre Público. Protestar não mata, conquista. Torna-nos cidadãos no mais nobre dos sentidos. Quem usa bomba contra o povo não é ativista. É polícia ou bandido.

Santiago Andrade não pôde se defender da bomba que o matou, pois que ela veio de surpresa, como manda a boa covardia. Ele, Santiago, preferisse, talvez, se a tivesse visto, como bom profissional de imagem que era, tê-la gravado em sua trajetória a dela se esquivar.

Que não mais se trate incendiários de ônibus com gente dentro e fogueteiros covardes por vândalos, pois não são eles meros autores de horríveis pichações em alvos muros e lindos monumentos. São, isso sim, assassinos.

(*) Escritor e contador de histórias e estórias

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Logotipo JM Magazine
Logotipo JM Online
Logotipo JM Online
Logotipo JM Rádio
Logotipo Editoria & Gráfica Vitória
JM Online© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por